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Água de beber, água de comer

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O Dia Mundial das Águas é comemorado desde 1993 a cada 22 de março. Foi criado pela ONU em sua Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), mais conhecida como Rio 92.

Além de instituir a comemoração, a ONU divulgou à época a Declaração Universal dos Direitos da Água, que contém 10 artigos que levam à reflexão sobre o uso desse recurso.

Nesta mesma Conferência foi criada a “Agenda 21 Mundial”, um documento de 40 capítulos sobre as intenções e desejo de um modelo de desenvolvimento para o século XXI. Um novo padrão chamado “desenvolvimento sustentável” que concilia proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.

O capítulo 18 da Agenda trata da questão hídrica, e o item F é específico sobre a Água para a produção de alimentos e desenvolvimento rural sustentável. Aqui a atenção vai para sub item 18.65:

(...) A sustentabilidade da produção de alimentos depende cada vez mais de práticas saudáveis e eficazes de uso e conservação da água, entre as quais se destaca o desenvolvimento e manejo da irrigação, inclusive o manejo das águas em zonas de agricultura pluvial, o suprimento de água para a criação de animais, pesqueiros de águas interiores e agrosilvicultura.

Alcançar a segurança alimentar constitui uma alta prioridade em muitos países e a agricultura não deve apenas proporcionar alimentos para populações em crescimento, mas também economizar água para outras finalidades. O desafio está em desenvolver e aplicar tecnologias e métodos de manejo economizadores de água e, mediante o fortalecimento institucional e técnico, permitir que as comunidades introduzam instituições e incentivos para que as populações rurais adotem novos métodos, tanto para a agricultura de irrigação como para a pluvial (...)

Como não existe alimento sem água o documento mostra que não é possível “culpar” um setor pela crise hídrica que o Brasil vive atualmente, principalmente a região sudeste. Os números mundiais mostram que agricultura utiliza cerca de 70% da água captada; no Brasil a Agência Nacional das Águas (ANA), fala em 72%, por isso a atividade passou a ser apontada como vilã dessa crise hídrica.

Mas a crise não começou devido à irrigação das lavouras das secas (entre abril e setembro de 2013), e sim por uma estiagem anormal, a maior do período das águas dos últimos 80 anos, iniciada em outubro de 2013.

A própria Declaração Universal dos Direitos da Água diz que ela é “...condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura...”

Declaração Universal dos Direitos da Água

... é condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura...

Existe conflito entre água de beber e de agricultura?
A capacidade produtiva do Brasil fez com que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação estabelecesse um papel de destaque para o País na segurança alimentar mundial. Em 2050, quando o planeta terá 9,3 bilhões de habitantes, o Brasil deverá responder por 40% da demanda adicional por alimentos, fibras e energia, segundo a FAO/ONU. Este aumento deverá acontecer 20% pela abertura de novas áreas e 80% pelo incremento de novas tecnologias, irrigação inclusive.

O Brasil possui 12% da água doce do planeta, porém distribuída de forma irregular. Onde tem mais água tem menos gente. A região sudeste, por exemplo, tem 6% desses 12%, uma região de alta densidade populacional e grande atividade agrícola, não necessariamente irrigada.

É de cerca de 8% a área plantada irrigada no Brasil, o equivalente a 5,8 milhões de hectares, segundo a ANA. Nos EUA a irrigação acontece em 26% da área agrícola. Mas o potencial de irrigação na agricultura brasileira é de cerca de 30 milhões de hectares.

Pode parecer controverso falar de irrigação em tempo de crise hídrica, mas ela é importante porque aumenta a produção de alimentos, aumenta a quantidade do que se produz por volume da água utilizada, portanto, evita que novas áreas sejam abertas para a agricultura.

Mas a água que irriga a alface de cada dia desaparece na natureza? Segundo os especialistas não. O que se faz na agricultura é a utilizar e não consumir água. É que parte dela volta para a natureza e a atmosfera pelo Ciclo da Água, muito estudado no ensino fundamental.

Apenas uma pequena parte é absorvida pela planta, fica no chamado tecido vegetal. Vários processos acontecem com o restante:

• Parte fica armazenada no solo ou evapora.
• A própria planta, em sua transpiração, devolve a água absorvida por ela para a atmosfera.
• Se a água infiltra reabastece o lençol freático.
• Se escoa realimenta os rios, lagos e reservatórios.

O mundo pode prescindir da irrigação?

Hoje os consumidores já estão sentindo no bolso o custo da estiagem, o preço da verdura e dos legumes aumentou, estes são produtos altamente irrigados e que sem a água podem sumir das prateleiras e feiras livres. Sem água não tem comida.

Como conciliar sua proteção e a produção de alimentos? A resposta está na própria Agenda 21 Mundial.

Aumentar a eficácia do uso da água na agricultura é o grande chamado, transferir tecnologia e capacitar os produtores deve ser a grande discussão para garantir comida para a população e defesa desse recurso natural. Hoje os sistemas de irrigação estão cada vez mais tecnificados e usando água “sob medida”.

Além disso, as boas práticas podem reduzir significativamente o uso da água na agricultura.

A gestão é o grande caminho de conservação. Segundo Samuel Barreto, membro da TNC, The Natural Conservancy, a produção não é concorrente da conservação, porém tecnologia não resolve tudo.

Para ele a grande contribuição do agronegócio brasileiro na questão das águas virá com as exigências de recuperação do Novo Código Florestal no que diz respeito às Áreas de Preservação Permanente nas margens de rios e lagos.

Samuel sempre diz que um dos atores chave para melhorar os problemas da cidade é o produtor rural preservando suas APPs. “É preciso trocar a lógica do conflito pela lógica da cooperação”.

Água é um problema de todos. É insumo no campo e na cidade, a participação nas discussões sobre ela devem fazer parte das agendas de todos os setores.

A ABAG/RP desde 2001 participa dos Comitês de Bacias Hidrográficas e este ano, em parceria com suas associadas, aumentou sua participação, está presente em 10 comitês na região nordeste do Estado de São Paulo.

Segundo seu diretor executivo, Marcos Matos, o agronegócio é um grande usuário de água e por isso tem que participar não para defender um setor ou outro, mas para aprender e ensinar, receber e passar informações para poder utilizar melhor a água.

Mas o mais importante, segundo ele, é contribuir para a discussão de um novo modelo de gestão das águas no país, sejam elas superficiais ou subterrâneas, onde os Comitês de Bacia têm papel fundamental.

ABAG/RP